Uma mãe se abaixa para enterrar seu próprio filho, morto pela violência da guerra. Uma família chora com dor após perder sua casa destruída pelas bombas. Dezenas de pessoas são mortas quando um barco afunda na costa. Um pai espera se reunir em breve com sua filha e esposa, separadas durante uma jornada em direção a um futuro melhor.
Imagens como essas circulam rapidamente nos noticiários, onde rostos, nomes e palavras são frequentemente reduzidos a números: 27,1 milhões de refugiados, 89,3 milhões de deslocados à força em todo o mundo.[1] Sua jornada perigosa se estende além das fronteiras, enfrentando barreiras culturais, burocracia, discriminação e exploração.
Esse é um desafio difícil de ser enfrentado. Graças à intervenção conjunta de organizações governamentais e não governamentais, ao apoio das comunidades e aos esforços coletivos de cada indivíduo, é possível restaurar a esperança e o direito a uma vida digna no presente e no futuro.
Há um ano, essa é uma mensagem que vivenciamos plenamente na Conferência da FHA em Sevilha, em junho de 2022. O legado vicentino, incorporado na missão de São Vicente e Santa Luísa no século 17 a serviço dos mais pobres, continua sendo uma chama viva no trabalho de muitos vicentinos em todo o mundo.
O ensinamento do Papa Francisco de “acolher, proteger, promover e integrar”[2] [Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 104º Dia Mundial dos Migrantes e Refugiados 2018] nos lembra de abordar a situação das pessoas refugiadas com uma “cultura do encontro”, quebrando barreiras culturais e geográficas, com empatia e fraternidade humana. O direito de “non-refoulement” (não devolução), que proíbe a expulsão, o retorno ou a deportação de refugiados para um país onde sua vida ou liberdade estariam em risco, garantido pela Convenção de 1951[ The Refugee Convention, 1951][3], continua sendo uma proteção para os refugiados que devemos defender.
O Dia do Refugiado é comemorado todos os anos em 20 de junho e tem como tema “Acompanhando a jornada de um refugiado”. Para marcar a ocasião, queremos ouvir as histórias de Claudine e Doris, de Burundi e Gana, respectivamente. Elas são especialistas por experiência própria e beneficiárias da Campanha “13 Casas”. Elas nos falam de sofrimento, mas também de esperança. Esta é a nossa chance de fazer uma pausa e contemplar: ‘O que posso fazer para encontrar o outro? Para acolher esse sofrimento e fazê-lo brotar em novos sonhos e esperança renovada?”. Prestemos atenção, para que possamos embarcar em nossa missão com um senso renovado de propósito e chamado.
[2] Message of His Holiness Pope Francis for the 104th World Day of migrants and refugees 2018
De Burundi a Ruanda: A jornada de Claudine
Entrevista conduzida pelo Padre Henri Matsinga em 10 de junho de 2023 no acampamento de Mahama, Ruanda
Meu nome é Nshemezwe Claudine. Sou uma garota de 21 anos. Sou a mais velha de minhas três irmãs mais novas. Estou cursando o segundo ano do ensino médio.
Estou aqui no campo de refugiados de Mahama, em Ruanda, desde abril de 2015. Sou burundiana.
Claudine, qual foi a parte mais difícil de deixar o Burundi?
No início, era muito difícil imaginar viver fora do meu país, ainda mais em um campo de refugiados. Eu não acreditava no que nossos pais nos diziam sobre ir para Ruanda, nosso país vizinho.
Como foi sua viagem para Ruanda?
De casa até a fronteira com Ruanda, são cerca de 20 quilômetros. Percorremos esses quilômetros a pé: meu pai, minha mãe e minhas três irmãs mais novas. Na fronteira de Ruanda, encontramos ônibus do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados). Junto com outros refugiados que aguardavam nos ônibus, eles nos levaram para o acampamento localizado na parte leste de Ruanda, perto da fronteira com a Tanzânia. Para chegar lá, atravessamos o país inteiro. Passamos um dia inteiro sem comer.
Quais foram seus maiores desafios no novo país?
Os desafios foram muitos, mas vou mencionar alguns. Desde nossa chegada ao acampamento, costumávamos comer apenas uma refeição decente por dia. Comecei a ficar doente imediatamente, principalmente com problemas estomacais. Meus pais não tinham condições de nos fornecer alimentos e roupas, então dependíamos da ajuda do ACNUR e, até certo ponto, do governo.
Em especial, quero agradecer ao padre Henri Matsinga, que nos trouxe dinheiro e pediu aos meus pais que abrissem um pequeno negócio. Até hoje, nos beneficiamos desse pequeno negócio (um quiosque de alimentos). O padre nos disse que foi uma ajuda de uma campanha chamada “13 Casas” que queria compartilhar as dificuldades com os refugiados em Mahama, inclusive nós, especialmente durante o período difícil da COVID-19. Sou a vendedora de nossa pequena loja. Começamos nosso negócio com o equivalente a 20 dólares americanos e agora nossa loja vale 100 dólares americanos. Comemos bem todos os dias.
Que Deus abençoe abundantemente a Campanha “13 Casas”. Lamentamos que o Padre Henri Matsinga tenha sido designado para outro lugar. Ele ama as pessoas sem distinção e nos ajudou a nos adaptarmos em momentos difíceis, mas logo entendemos que Deus o queria em outro lugar para fazer o bem lá também.
O que você espera alcançar no futuro?
No futuro, quero me tornar uma enfermeira para cuidar dos mais necessitados e dos pobres.
O que você gostaria que mais pessoas soubessem sobre os refugiados ou outros recém-chegados na comunidade?
Quero que o mundo saiba que a vida no campo é uma vida sem esperança e cheia de tristeza. Os refugiados são muito vulneráveis e, como resultado, facilmente manipulados, e muitos deles são facilmente aproveitados. Nós, os refugiados, somos altamente vulneráveis e precisamos de apoio constante. Obrigado por nos ouvir.
Leia a história de Doris: uma viagem de Gana à Espanha aqui.