O Dia Mundial contra o Tráfico de Pessoas é celebrado anualmente em 30 de julho para aumentar a conscientização sobre um crime que afeta milhões de pessoas em todo o mundo[1]. O tráfico de pessoas é uma violação dos direitos humanos que envolve a exploração de indivíduos para vários fins, que podem incluir trabalho forçado, exploração sexual e tráfico de órgãos.
Essa ocasião serve como um lembrete da complexa interseção entre o tráfico de pessoas e a falta de moradia. A falta de moradia geralmente expõe os indivíduos a uma maior vulnerabilidade, tornando-os alvos de traficantes que exploram sua situação[2]. A falta de moradia estável, o acesso limitado a redes de apoio e as dificuldades econômicas contribuem para a suscetibilidade ao tráfico das pessoas que não têm moradia.
As Filhas da Caridade em Gana testemunham essa interseção todos os dias. Com o projeto “13 Casas”: ‘Street Children’ (Crianças de rua), elas ajudam meninas e mulheres jovens que desejam sair das ruas, mas não têm para onde ir, protegendo-as do tráfico e da exploração. Em Khumasi (onde as Irmãs trabalham), a necessidade é enorme e, de fato, estima-se que pelo menos 20.000 crianças[3] vivem nas ruas e correm o risco de serem explorados. As Filhas trabalham incessantemente para ajudá-las a explorar outras opções de vida, inclusive ajudando-as a se reintegrar, oferecendo oportunidades de educação e apoio para montar seu próprio negócio ou participar de treinamento de habilidades.
Irmã Olivia (líder do projeto “13 Casas” e diretora da Talitha Kum[4]), compartilha conosco seu testemunho junto com Favor, uma garota de 16 anos que tem sido assistida pelas Irmãs.
Neste dia, nos reunimos para defender as vítimas e pedir esforços conjuntos para erradicar o tráfico humano em todas as suas formas.
[1] https://www.un.org/en/observances/end-human-trafficking-day
[2] https://unanima-international.org/wp-content/uploads/2021/05/Intersections-Publication-2.pdf
[3] http://streetchildrenksi.iwopop.com/About-us
[4] An International Network who engages in the work against Human Trafficking, facilitates collaboration between organizations and countries, and exchanges information between members of religious congregations in more than 90 countries around the globe.
Testemunho de Ir. Olivia, Filhas da Caridade, Kumasi
- Como você se envolveu nesse serviço? O que o motivou a apoiar as vítimas de tráfico humano?
Envolvi-me com o tráfico de pessoas ao trabalhar com crianças sem-teto em situação de rua. Algumas crianças de rua são vítimas de tráfico interno. Além disso, as crianças em situação de rua correm o risco de serem traficadas dentro e fora de Gana. Algumas das crianças foram traficadas e entraram em contato conosco, então facilitamos a reintegração delas quando foram resgatadas e transportadas de volta para Gana por volta de 2018. Também me envolvi em serviços contra o tráfico por meio da participação na rede Talitha Kum. Em 2018, a Rede Internacional Talitha Kum veio a Gana para apresentar e treinar as irmãs no apoio às vítimas do tráfico humano. Participei desse evento e, como já trabalho com crianças, jovens e mulheres em situação de rua, fui nomeada coordenadora da Rede de Pessoas Consagradas Talitha Kum de Gana. Essa responsabilidade me expôs a outras redes de combate ao tráfico e aumentou meu conhecimento sobre as atividades de tráfico humano.
Participei de várias sessões de treinamento e compartilhei esse conhecimento com meus colegas. Em seguida, começamos a aumentar a conscientização sobre o tráfico de pessoas e a criar nossas redes de combate ao tráfico. As vítimas de tráfico humano começaram a nos procurar para obter apoio quando conseguiam escapar. Iniciei reuniões com a Unidade Antitráfico do Serviço de Polícia de Gana e começamos a colaborar para melhorar a educação pública e trabalhamos juntos no apoio ao resgate. A polícia realizou o resgate das vítimas, antes de trazê-las para nós para serem abrigadas. A partir desse momento, trabalhamos com elas para facilitar sua reintegração.
- Em sua experiência, quais são alguns dos principais fatores que contribuem para o tráfico de pessoas em Gana?
O principal fator de incentivo ao tráfico de pessoas em Gana é a pobreza. Outros fatores incluem:
- migração rural-urbana
- crianças que vivem em situação de rua
- a prática de enviar crianças de áreas rurais para morar com parentes nas cidades
- exploração
- fronteiras inter-regionais flexíveis
- aplicação deficiente da legislação antitráfico
- Você pode discutir as conexões que observou entre o tráfico de pessoas e a falta de moradia? Qual é a situação em Gana, com base em sua experiência?
Observamos que as crianças, os jovens e as mulheres que vivem nas ruas estão particularmente expostos ao risco de tráfico de pessoas, pois muitas vezes estão desesperadamente em busca de sustento e sobrevivência. Elas podem ser vítimas de ofertas enganosas de uma vida melhor e de bons empregos. A falta de moradia torna as pessoas vulneráveis a ponto de aceitarem qualquer oferta que prometa um meio de vida alternativo. Sem um lar ou família para cuidar deles, os traficantes prontamente se aproveitam dos jovens em situação de rua. Tivemos alguns casos em que crianças nas ruas simplesmente desapareceram e, após investigação, ficamos sabendo que elas seguiram algumas pessoas que se ofereceram para levá-las para fora do país. Em alguns casos, as crianças foram traficadas para países como Líbano, Arábia Saudita, Líbia, Kuwait, Iman e Dubai. Algumas foram resgatadas pelo governo, outras conseguiram escapar e voltaram vivas, e outras perderam a vida. Apoiamos a reabilitação de algumas das meninas que retornaram e vieram até nós.
- Que mudanças ou melhorias você acredita serem necessárias em nível social ou sistêmico para combater o tráfico de pessoas de forma mais eficaz?
As seguintes melhorias são necessárias em nível social ou sistêmico para combater o tráfico de pessoas:
- Os responsáveis precisam ter a vontade política de combater o tráfico de pessoas e não apenas falar da boca para fora sobre o assunto.
- É necessário que o governo enfrente de forma prática a pobreza, a principal causa que coloca os jovens em risco de tráfico humano.
- É preciso haver uma boa colaboração entre as agências governamentais e as organizações da sociedade civil para erradicar a pobreza.
- O governo precisa promulgar e aplicar leis contra o tráfico de pessoas.
- Os traficantes devem ser processados para dissuadir outros.
- Os sobreviventes precisam ser capacitados com uma fonte de subsistência para a reabilitação. É quase impossível para os sobreviventes lidarem com a situação quando retornam à mesma situação de pobreza que os predispôs ao tráfico humano.
- A educação pública é fundamental para acabar com o tráfico de pessoas. Acredito que os responsáveis e todas as partes interessadas devem se esforçar para educar o público, como é feito com outras questões globais sérias.
- Que mensagem você gostaria de transmitir a outros vicentinos do mundo todo que trabalham com pessoas vítimas de tráfico humano?
Minha mensagem para outros vicentinos que trabalham com vítimas de tráfico humano:
- Que continuemos a aumentar a conscientização sobre a realidade do tráfico de pessoas entre as populações em risco
- Devemos criar oportunidades para pessoas em situações vulneráveis, a fim de reduzir os riscos de serem vítimas do tráfico de pessoas
- Devemos apoiar os processos contra os perpetradores
- Devemos continuar a apoiar a reabilitação e a reintegração das vítimas.